sábado, 30 de maio de 2020

A advogada e a garçonete: sobre mudar de vida.

A advogada e a garçonete: sobre mudar de vida.

Esses dias estava conversando com uma cliente que aguardava na agência o início do tour no Vaticano, e uma curiosidade recorrente dos meus clientes é saber o que eu fazia no Brasil, como foi a mudança de país, o que eu fiz quando cheguei na Itália. Sempre conto que era advogada, deixei tudo para trás e todo o primeiro ano aqui trabalhei como garçonete em uma pizzaria. 

No entanto, essa cliente me chamou a atenção, pois foi a primeira que me respondeu: “Nossa, mas e a qualidade de vida que você tinha no Brasil como advogada?”. A minha resposta foi a seguinte: “mas o que você entende por qualidade de vida?”.

Então hoje vou contar a história da advogada e da garçonete.

A advogada se formou e se pós graduou em uma das melhores universidades do país. Trabalhou em renomados escritórios de advocacia, onde era reconhecida pelo seu talento. Com certeza, tinha uma carreira promissora pela frente.

A advogada trabalhava no Itaim Bibi, em São Paulo, sempre bem vestida e de salto alto. Trabalhava até tarde, mais ou menos 10 horas por dia, senão mais. Tinha uma grande equipe de advogados e estagiários para gerenciar, que juntos cuidavam de mais de 4.000 processos. 

A advogada trabalhava muito, às vezes chegava em casa e continuava agendando prazos, ou lendo e-mails, que, por dia, eram mais de 400. Seu salário não a agradava e parte do que ganhava, guardava para suas merecidas férias na Europa, uma vez por ano. O destino era sempre esse. 

A advogada que morava na Nova Iorque brasileira - São Paulo, sabia que sua diversão de final de semana seria cinema, shopping, barzinho ou restaurante. Sabia, ainda, que, qual fosse a sua escolha, ela não lhe sairia barata. 

A advogada morava em um dos melhores bairros da cidade, e mesmo assim tinha que estar sempre alerta ao sair e ao chegar em casa, pois, quando menos esperasse, poderia se deparar com um marginal do lado de fora do portão, esperando para roubar o primeiro que se apresentasse. E quem dera fosse só roubar, pois muitas pessoas além de entregar seus pertences, levam dois tiros na cabeça.

A advogada sabia que teria que pagar convênio a vida inteira, e que a mensalidade ficaria, a cada mudança de faixa etária e reajuste anual, mais cara. Sabia que teria que trabalhar, mais ainda, para dar uma boa educação pra seus filhos e para garantir a saúde de sua prole. 

A advogada era feliz, pois sempre soube dar valor ao que Deus lhe proporcionou, mas algo a deixava inquieta. Talvez a sensação de: "e aí, vai ser sempre isso?" a frustrasse. Ela queria mais da vida, ela queria uma vida com qualidade. 

Bom, a garçonete também se formou e se pós graduou em uma das melhores universidades do país - mas isso não valia muito na Itália. Trabalhava em uma famosa pizzaria de Perugia, onde era reconhecida pelos clientes pela atenção que com eles despendia. 

A garçonete trabalhava no centro histórico da pequena cidade, de calça jeans e tênis. Trabalhava das 18:30 até 00:00, as vezes 00:30, mais ou menos 6 horas por dia, e fazia parte de uma equipe pequena, que a ensinou, entre outras coisas, a trocar o barril de chope, a levar oito copos com uma mão só, e a fazer uma bela espuma para um café macchiato ou cappuccino.   

A garçonete morava em uma pequena cidade, onde passeava pelas construções antigas, e sempre se apaixonava pela vista que só uma cidade medieval proporciona. 

A garçonete ganhava o suficiente para viver, pois no país onde mora tem saúde pública eficiente, e sabia que quando tivesse filhos, mesmo se um dia ficasse desempregada, eles poderiam usufruir de uma boa educação, pois as escolas são públicas. 

A garçonete voltava com uma pizza na mão, a meia noite, sozinha para casa, sem medo de ser assaltada, estuprada ou morta por um bandido. 

A garçonete era feliz, e não tem a sensação de que a vida estava passando sem ser vivida. 

A garçonete passava o final de semana em Roma - para onde depois de mudou, Firenze, Bologna, Grécia, Espanha, Veneza... 

A advogada vivia para trabalhar e a garçonete trabalhava para viver. 

A advogada estava sempre estressada e a garçonete era muito mais calma.

A advogada não tinha mais entusiasmo pela sua profissão e estava inquieta com a maneira como levava a vida. Já a garçonete (ou qualquer outra mulher que ela quisesse ser) encontrou sua paz.